terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Números


Acordava com o telemóvel que punha para despertar às seis e dez. Seis e dez equivalia  no seu relógio a talvez umas cinco e cinquenta e seis ou cinquenta e sete, porque o tinha adiantado uns minutos imprecisos, um tempo que não desse para somar ou subtrair, porque saber a hora exata, estupidamente o atrasava. Corria para apanhar o comboio, com medo de tornar fatal um segundo que fosse. Um segundo era o suficiente para lhe estragar o dia, porque o comboio, a uma hora demasiado certa fechava as portas e iniciava a sua marcha, primeiro vagarosa, e depois veloz e barulhenta, e teria que esperar umas dezenas de minutos pelo próximo. Chegava pois à estação invariavelmente, cinco ou dez minutos mais cedo. No verão, às sete horas já começa um bonito dia, no inverno pode chover a potes, e, para além da noite escura, não se aguenta o frio.
No escritório picava às nove em ponto, e depois ia tirar um café na máquina dos quarenta cêntimos, trabalhava duas horas, interrompia para beber outro, e trabalhava mais duas à espera da hora do almoço.
O meio tempo da tarde passava melhor. Meio dia estava cumprido, e as dezoito horas mais próximas, o momento de dizer até amanhã ao pessoal, e regressar a casa, para o relaxe duma novela ou dum debate de futebol. A mulher faria o jantar, em princípio, claro, porque ultimamente falhava uma ou outra vez, com a desculpa de ter outras coisas para fazer, ou a desculpa do cansaço. Às vinte o telejornal, depois um zapping pelas novelas, e a seguir procurar pelos canais um bom filme de polícias e ladrões, para às vinte e três e trinta, meia noite, se ir deitar, e, se ainda tivesse energia, talvez, quem sabe, faria sexo rapidamente, porque ao outro dia tocaria outra vez bem cedo, o prepotente despertador. 
Parabéns! Disseram-lhe um dia no emprego. Atingiu o tempo mais desejado, aquele porque todos esperamos, o dever cumprido, o direito à reforma.
O quê?
Estamos em dois mil e desasseis, passaram trinta e seis anos, senhor!

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