quarta-feira, 27 de abril de 2022

O Feijão

Era uma vez um menino que gostava muito de ir à escola. Aprendia muito, brincava com os seus amigos, comia os bons lanchinhos que vinham preparados de casa, enfim, eram dias agradáveis, os seus, mas, naquela específica tarde, vinha no regresso das aulas pelo jardim, e pela mão da avó, pois a mãe trabalhava até  muito tarde, num tempo em que nem havia ainda horas e dias de descanso para esta gente trabalhadora, mas continuando, vinha muito satisfeito porque a professora lhe dera um frasquinho com um algodão embebido em água e com um feijão lá dentro, disse ela na aula, para todos ouvirem, que o feijão haveria de se transformar numa plantazinha pequena, com folhas e tudo, e ele levava o frasquinho que a professora lhe dera bem preso entre as duas mãos, com muito cuidado para não o deixar cair, como se de uma figura religiosa se tratasse, daquelas que nas festas da aldeia se destacam por entre os crentes. 
Chegou ao seu quarto, não  sem antes cumprimentar o avô, que dormitava no cadeirão da sala, e pousou o objeto em cima duma prateleira, que continha vários brinquedos deixados por ali na sua desarrumação infantil.
O menino foi dormir, e fê-lo como um anjo, apesar da impaciência  e da excitação  em que se encontrava, por causa das espectativas que lhe haviam criado, de uma espécie  de milagre que poderia acontecer dentro de um simples frasco.
Durante vários dias a criança  verificou se o algodão  tinha água suficiente, se a semente mostrava alguns indícios de germinação, não  queria ser ele, por negligência, a estragar o acontecimento.
Também nós, adultos, não  damos tanto pelas crianças que crescem, se por acaso vivemos junto a elas, não  tanto como a tia Alice, por exemplo, que, após quatro anos no Brasil, não  queria acreditar naquele rapazinho que tinha à sua frente, muito direitinho no seu fato azul. 
Explicando melhor, talvez, foi precisamente o mesmo fenómeno que aconteceu ao nosso pequeno herói, ele não  reparou que, ao invés do feijão  se desenvolver, era o algodão  que crescia desmesuradamente, já  transbordara do frasco e escorregara por ele, continuando pela prateleira e caindo pela estante abaixo, até  formar um grande monte no chão.
O feijão, nem vê-lo, e o menino chorava muito, não comia, por causa da tristeza  de tudo o que lhe estava a acontecer. 
Mas não  tenhamos sentimentos negativos em relação  a esta história porque nem tudo se perdeu.
Depois do sufoco do algodão  pela casa inteira, de ter inclusivamente, extravasado pela chaminé, pelas janelas abertas, e pela porta da cozinha, o menino, juntamente com o irmão  mais velho, que demonstrava desde bebé um espírito empreendedor fora do comum, viu ali uma janela de oportunidade para o negócio, tratando de contratar uma empresa de embalamento e outras minudências  necessárias  para lançar  um produto no mercado. Fazem parte, hoje, do grupo dos cinco maiores produtores de algodão  do mundo.




sábado, 23 de abril de 2022

escrevendo......

A minha casa fora construída numa pequena elevação  de terreno, um relevo mínimo, minúsculo,  se o compararmos com qualquer montanha, ainda que de pequenas dimensões.
O que é certo é que do alpendre, ou das janelas que viravam para aquele lado, conseguia ver tudo, melhor dizendo, tudo até ao limite da capacidade dos meus olhos, o que não  é a mesma coisa, não estar habilitado para visualizar determinada imagem, ou, de facto, não  existir nada para além dos campos ondulados, ou  do último ponto azul, de todos os pontos azuis acima do horizonte.
Resolvi dar um passeio.
Estava tão próximo do campo ondulante que, quarenta segundos depois, vi um #coelho a fugir, apressado e já os meus pés  pisavam pequenas flores amarelas, onde batia o sol  quase horizontal, num fim de dia por ali.
Do meu lado esquerdo, vi aquela figura vulgar, vestida como alguém que trabalha a terra, calçada como alguém que pisa os seus torrões, ou a sua lama, com uma naturalidade suja, com semblante ressequido de uma vida ao livre e descansando dos inúmeros afazeres.
O homem, sentado em silêncio sob a sombra de uma copa verde e baixa, com as costas apoiadas a um grande troco castanho, apoiava o antebraço no joelho, e a mão  direita  pendia-lhe, inerte e despreocupada, só o polegar e o indicador mantinham a pressão necessária sobre uma palha de trigo, que rolava, devagar, ora para trás, ora para a frente.
O lado oposto da minha pequena habitação tinha apenas uma janela, com caixilhos de madeira pintados de branco, e que nunca conseguira  abrir em toda a minha longa estadia, não sei se por defeito, ou avaria, sei que era apenas aquela árvore sombria que eu  vislumbrava, igual no verão e no inverno, os seus  troncos cor de barro, muito retorcidos como nunca vi outros, de formas geométricas, algumas assustadoramente artificiais. Nunca lhe despontavam folhas, logo, imaginava eu que nunca o tempo passasse por ela, contudo respirava vida e saúde, eu sabia, sentia, talvez, haver seiva densa a circular-lhe pelos troncos e tronquinhos, sedentos de qualquer coisa completamente inexplicável. 
Por algum motivo, que me sinto incapaz de perceber, a natureza camuflava a sua energia com aquela aparência moribunda, mas que, paradoxalmente, lhe perpetuava a vida, muito mais do que se sofresse, plena de normalidade, as metamorfoses inerentes às estações do ano.
A minha curiosidade era muita.
Eu não via mais nada por ali. Ou porque não  existisse mesmo, ou porque era incapaz de tomar uma outra posição  para observar o que se passava lá  fora, não sei. Sei que os caixilhos das janelas eram o limite da paisagem, a esquadria imóvel, recortada no fundo de uma parede sépia onde a sua silhueta retorcida se insinuava, assim, sem mais nada, talvez visse também uma ou outra aresta do barracão imediatamente ao lado da parede vil.
Os pássaros evitavam-na, oh,  se evitavam, nunca lá dei por algum, nem os corvos pousavam nela, ou águias, ou pássaros cantantes, ou os migratórios que, na sua vaidade orgulhosa, tanto gostam de se exibir, nem o vento a balançava. Podia ser um artefacto, uma imagem entre sonos, ou mesmo, e finalmente, um sonho das profundezas do inconsciente, uma mentira desgraçada para me deixar inquieta.
Eu caminhava já em sentido contrário, voltava para casa e a minha sombra agigantada precedia-me.
O sol praticamente deixou de ser ver.
Entrei.
Andei em linha reta pelo corredor, acendi a luz do candeeiro e espreitei lá  para fora.
A visibilidade começara a enrodilhar-se na  escuridão. 
A continuarem crescendo desta forma, os seus galhos, alguns em semicírculos perfeitos, um belo dia cairão.





domingo, 10 de abril de 2022

#Pinote

O Último #Pinote do Burrinho Zuzu. (Uma história para crianças)

Era uma vez um burrinho que andava a pastar num campo cheio de boas ervas para a alimentação de animais que comem ervas.
De repente, quando tudo parecia normal e tranquilo, o burrinho deu uma grande pinote e caiu para o lado, inanimado. 
Foram chamados os paramédicos de bestas, mas, quando chegaram e lhe mediram a pulsação de jumento, já nada havia a fazer. O Zuzu morrera de repente.
Todavia, crianças minhas amiguinhas, não fiqueis tristes porque o burrinho Zuzu foi para o céu dos burros e lá permanecerá para sempre, saltitando pelas nuvens.
Se acaso ouvirdes zurrar durante a noite, não é o papá que ressona, não. É o burrinho Zuzu a dizer olá.

quarta-feira, 6 de abril de 2022

Era vidrada
aquela
água espelho
e eu, de onde
me encontrava,
com os 
olhos um pouco
acima 
da sua imensidão,
via ao longe
prédios, edificações,
pequenas torres 
brancas,
muito ao longe,
no horizonte.

E eu ali estava,
aonde
a água balançava
numa só onda
levemente
bilhante,
do lado 
do sol dourado,
e com os olhos
posicionados
um pouco acima
da imensidão
e da água espelho
vidrada 
da baía 
que ondulava, 
que ondulava 
sem fim.